Abolição Não Foi E Não É Sinônimo De Libertação

Abolição Não Foi E Não É Sinônimo De LibertaçãoNo dia 13 de maio é comemorado por muitos o Dia da Abolição da Escravatura, pois em 1888 foi assinada a suposta libertação dos nossos ancestrais, dos grilhões das senzalas, dos castigos físicos imoderados, do trabalho invisível e, principalmente, da sujeição de toda uma vida aos interesses de uma sociedade elitista e opressora.

Por muitos anos, este momento da história foi vendido nos bancos escolares como uma medida de agraciamento da sociedade da época àqueles que entregaram, literalmente, a sua própria vida e dos seus, por gerações e gerações, para enriquecimento e desenvolvimento de sociedades, cuja perpetuação do estado de riqueza se revela até os dias atuais.

Os grilhões de ferro foram retirados, porém todos foram deixados à própria sorte pelas ruas, sem moradia, trabalho e educação. Ou seja, novos grilhões foram colocados, um dos mais perversos que se poderia imaginar, pois foi o reinício do ciclo de dor, da objetificação e da completa invisibilidade e marginalização social.

A libertação vendida à época, e reproduzida por décadas nos livros didáticos, se mostra mais uma das tantas reproduções sociais que foram incutidas, principalmente, na educação das pessoas pretas. De forma a conformá-las à sua invisibilidade e marginalização social, mantendo a balança exatamente como programado antes da assinatura do documento no dia 13 de maio.

O projeto jamais foi a libertação, mas sim, uma nova forma de dominação, tão perversa quanto. E, por não trazer em suas técnicas a dilaceração física do corpo negro, a sociedade aceita, compactua e, pior, busca incessantemente à perpetuação da manutenção desta balança desequilibrada ao extremo. Pois, para alguém estar acima, milhares de corpos pretos devem estar abaixo e sem qualquer possibilidade de ascensão!

Ao contrário da elite dominante que, com a “libertação”, tinha o projeto de manutenção do sistema, os pretos libertos e suas tantas outras gerações possuem um projeto de verdadeira libertação, que consiste em resistir, a qualquer custo, a tudo e a todos. Sobreviver física e socialmente, pois diariamente somos mortos em nossos corpos físicos, em nosso moral e em nossa dignidade, mas o levantar é obrigação, é a missão. E, como ato de resistência, a cada corpo negro morto pelas ruas das grandes cidades, outro nasce nas diversas maternidades espalhadas pelo país.

Enquanto os filhos de muitos têm apenas o dever de estudar e perpetuar a tradição familiar nas grandes empresas e escritórios de advocacia, o filho de uma mulher preta tem o dever de sobreviver. E, sobrevivendo, o dever de se desenvolver contra tudo, todos e contra o sistema elitista, branco e excludente que, diariamente, é enfrentado, escalado e poucas vezes superado.

Os obstáculos existem para todos em maior ou menor monta, mas o obstáculo da invisibilidade social e da crença pérfida e recôndita de que o lugar de preto é nos lugares de subalternidade e marginalização, traz uma luta diária; que muitas vezes se cansa, há desistência, ou nem se pensa ser possível vender. Mas que para muitos traz em seu sentido mais pleno, a vontade de lutar com todas as forças dos ancestrais, pois não é uma luta única e solitária, é uma luta coletiva, um verdadeiro dever!

A chave para a abertura das portas para ascensão social pelo trabalho digno e estudo, não nos foi concedida no dia 13 de maio de 1888. Pelo contrário, a incursão de que não podemos ou não devemos ocupar determinados lugares, não é e não pode ser mais aceita, a história nos foi tirada, mas o futuro e o presente não. É dever reescrever por nós e por todos que estão atrás!

Dia 13 de maio: Presente!  


Autora: Renata de Oliveira Silva

Servidora Pública do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

Pós graduada em Direito Civil, Direito Processual Civil e Direito Empresarial 

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