Controvérsias tributárias no tratamento de criptoativos pela RFB

Na ausência de uma definição legal de criptoativos no ordenamento jurídico brasileiro[1], os entes reguladores vêmadotando conceitos próprios que permitam, dentro do seu campo de atuação, regular aspectos práticos das operações com cripto. 

Em se tratando de tributação, a Receita Federal do Brasil (RFB) adotou, em 2017, o Manual de Perguntas e Respostas da Declaração de Imposto de Renda da Pessoa Física como guia para o tratamento do tema, equiparando criptoativos à instrumentos financeiros, os quais sofrem incidência de imposto de renda na modalidade de ganho de capital.

Em seguida, editou a Instrução Normativa (IN RFB) nº. 1.888, de 07 de maio de 2019, onde passou a definir conceitos de criptoativos, exchanges e operações vinculadas para fins de tributação do imposto de renda (além de trazer obrigações acessórias de declaração de operações realizadas).

Já neste momento poder-se-ia questionar a legalidade da tributação em questão, uma vez que os atos até agora editados correspondem à normas administrativas de ente não competente para definir hipóteses tributárias[2]. Nessa linha, caberia à IN nº. 1.888/19 disciplinar, após edição de lei, a execução de determinada atividade desempenhada pelo Poder Público, não criar, alterar ou extinguir critérios para a incidência tributária.

Ainda assim, outros fatores mais objetivos e imediatos podem ser alvo de crítica em relação ao posicionamento da RFB em matéria cripto, como o tratamento dado às operações de permuta na Solução de Consulta COSIT nº. 214, de 20 de dezembro de 2021.

Na referida Solução, a RFB entende que as operações de permuta de criptoativos sujeitam-se à apuração do ganho de capital independentemente da conversão em moeda fiduciária, o que, gera para aqueles que operam no mercado de troca de criptoativos a obrigação de apurar e recolher o imposto de renda a cada operação de troca, mesmo que o patrimônio obtido seja mantido em cripto e não tenha se efetivado a conversão em moeda (nacional ou estrangeira).

Na prática, as permutas de criptoativo se assemelham, na origem, às operações no mercado de ações, onde são realizadas trocas entre diferentes bens disponíveis na busca de sua valorização. 

Com isso, um contribuinte que adquira uma quantidade de criptoativo à um valor originário (custo de aquisição) e realiza diversas trocas pelo mesmo valor, não estaria, em tese, sujeito à tributação do ganho de capital, uma vez que não haveria acréscimo patrimonial. Para fins de análise, vamos adotar os seguintes valores[3]:

– 1 “Bitcoin” (BTC): R$ 100.000,00 

– 1 “Etherium” (ETH): R$ 5.000,00

– equivalência entre criptoativos: 1 BTC = 20 ETH

Digamos que um contribuinte tenha adquirido 1 Bitcoin. Esse ativo irá compor sua ficha de bens e direitos na Declaração de Imposto de Renda da Pessoa Física (DIRPF), que será entregue no ano calendário seguinte, pelo custo de aquisição de R$100.000,00.

Não obstante, esse mesmo contribuinte realiza permuta sobre 50% do valor do bitcoin em ETH, passando a deter 0,5 bitcoin e 10 ETH. 

Dada sua equivalência (e admitindo-se que neste período não houve alteração do valor de cada ativo), o patrimônio do contribuinte em nada se alterou, havendo apenas a necessidade de reclassificação dos bens descritos na ficha de bens e direitos para as proporções acima. Houve uma permuta de bens sem alteração do patrimônio final, o que afastaria a incidência do ganho de capital até o momento da “liquidação” dos criptoativos, a saber, a conversão em moeda pelo valor da cotação no dia da sua baixa.

Assim, o posicionamento adotado pelo Fisco pode ser questionado, uma vez que, ainda que a permuta seja uma alienação em sentido amplo, por haver troca por outro bem/direito de igual valor não seria possível o reconhecimento de diferença positiva entre custo de aquisição de o valor de alienação, já que esta última não ocorreu.

Em igual sentido, a IN RFB nº 84/2001, que regulamenta o imposto de renda sobre o ganho de capital para a pessoa física, apesar de prever que a permuta entre bens/direitos represente um tipo de alienação tributável pelo ganho de capital, aponta, em seu art. 19, inciso V, que somente o valor da torna em dinheiro deverá ser usado de base para apuração do ganho de capital.

Também, o Regulamento do Imposto de Renda (RIR/2018), estabelece que o custo de aquisição de um bem/direito recebido em permuta sem torna será correspondente ao valor do bem dado em permuta, o que faz inexistir ganho de capital na operação.

Se somado este fato à própria ausência de ocorrência de fato gerador mencionado anteriormente, o entendimento exarado na SC Cosit nº. 214/2021 passa a ser, com sentido, fortemente criticado. 

Sendo permutados bens de um mesmo valor, não haveria ocorrência da hipótese de incidência do ganho de capital e o imposto seria devido somente na conversão do bem em moeda por valor superior ao custo de aquisição, ainda que seguido da aquisição de outro bem/direito de mesma natureza, porém este é um tema que, decerto, deverá ser levado ao judiciário antes de uma resolução final.


Autora:

Fernanda Marques 

Fonte:

[1] Encontra-se em trâmite o Projeto de Lei nº. 4401, de 2021 (“Marco Legal de Criptoativos”), aprovado pelo Senado Federal, que define o conceito, natureza e efeitos dos criptoativos no mercado jurídico brasileiro.  

[2] A CF/88 prevê expressamente que o estabelecimento de normas gerais em matéria tributária, especialmente quando versarem sobre definição de tributos e fatos geradores, cabe à lei complementar (art. 146, inciso III, alínea a).

[3] Valores hipotéticos para fins de apresentação, não pautados na cotação oficial de criptoativos.

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