A polêmica tributação dos dividendos

Com o advento do Projeto de Lei nº 2337/2021 (Reforma Tributária do Imposto de Renda) um dos temas mais polêmicos é sobre a possível tributação dos dividendos quando distribuídos aos sócios que, atualmente, são isentos de taxação.

Desde a Lei nº 9.249/95, a tributação da renda no Brasil concentra-se na pessoa jurídica, de forma que a fração do lucro líquido quando distribuída aos sócios ou acionistas, a título de dividendos, já foi descontada de impostos de renda incidentes da pessoa jurídica no percentual de 34% (IRPJ à 15%, adicional do IR à 10% e CSLL à 9%)[1].

A redação original apresentada pelo Governo Federal em junho deste ano previa a tributação dos lucros e dividendos que foram pagos ou creditados pelas pessoas jurídicas no Lucro Real, Lucro Presumido ou Arbitrado à 20%. Após sofrer diversas alterações desde o texto inicial, em setembro, o PL 2337/21 foi aprovado pelo Plenário da Câmara de Deputados e seguiu para deliberação no Senado, com a proposta de tributação dos dividendos à 15%, em contrapartida a uma redução de alíquota do IRPJ para 18% e de CSLL para 8% (total de 26%), condicionadas ao aumento da CFEM e da revogação de benefícios fiscais.

Um dos principais motivos econômicos para a o fim da isenção é que a tributação de dividendos é uma peça fundamental da reforma tributária, não só do ponto de vista da arrecadação (até porque de um modo geral, verifica-se um aumento na carga em um momento fiscal crítico das contas públicas agravado pela pandemia), mas também como uma questão redistributiva e de cunho social (que, ao nosso ver, poderia ser mais bem resolvida com uma real progressividade da tributação da renda, que também não se concretiza no PL, em conjunto com uma grande revisão e melhor alocação dos gastos públicos em políticas sociais). Além disso, outro argumento apresentado é que o Brasil é um dos poucos países que não tributa os dividendos em comparação com os demais países da OCDE. No entanto, esse frágil argumento desconsidera a complexa estrutura e legislação tributária brasileira, atrelada a uma alta carga na tributação da renda e do consumo, ambas ainda não resolvidas no nosso sistema.

Por outro lado, embora a RFB já tenha alertado uma forte mudança na fiscalização da distribuição disfarçada de lucros (inclusive para empresas no lucro presumido) é relevante considerar que a tributação apenas no lucro da pessoa jurídica acaba prevenindo a “DDL” (sonegação de difícil enfrentamento, como por exemplo despesas do sócio dentro da empresa). Possivelmente a RFB terá um aumento de custos para cumprir a fiscalização quanto ao ponto, atrelado a uma grande possibilidade de litígio, uma vez que há uma série de despesas que podem se encontrar em uma “zona cinzenta” perante o conceito de dedutibilidade de despesas da legislação do IR. Já a principal discussão de ordem jurídica é se a cobrança do imposto configuraria ou não bitributação, uma vez que o lucro registrado nas empresas já foi tributado.

Na hipótese de o Projeto Lei ser aprovado, as empresas e famílias que constituíram holdings para reorganização tributária, societária e para planejamento sucessório deverão reavaliar a estrutura societária e tributária adotada, pois além da holding ser obrigada a recolher toda a tributação normal da pessoa jurídica (IRPJ, CSLL, PIS e COFINS), os sócios e acionistas também serão tributados pelo IR. De outra banda, em virtude da isenção de taxação dos dividendos para empresas do SIMPLES e para pessoas físicas com pessoa jurídica com receita inferior a R$4.8MM, o PL também incentiva a proliferação e manutenção de micro e pequenas empresas em detrimento ao que deveria ser o óbvio e adequado, o incentivo ao crescimento das empresas, e por consequência, do país.

Em relação a data em que esta mudança passará a viger, no texto legal consta que, a partir da data de aprovação do Projeto de Lei, os lucros ou dividendos pagos ou creditados sob qualquer forma pelas pessoas jurídicas ficariam sujeitos à incidência tributária. Todavia, deve-se considerar que diferente da CSLL, o imposto de renda não se sujeita ao princípio da anterioridade nonagesimal, isto é, se a reforma tributária foi aprovada até o dia 31/12/2021, ela produzirá efeitos a partir do primeiro dia do exercício seguinte, em 01/01/2022.

Assim sendo, considerando que o texto legal é omisso, não se sabe se os lucros auferidos em 2021 e distribuídos somente em 2022 ficarão sujeitos à retenção na fonte nos termos da nova lei, bem como se o contribuinte deve classificar como renda pela pessoa física à Receita Federal, referente ao ano-calendário de 2022. Possivelmente a proposta gerará contencioso no ponto uma vez que apesar de a disponibilidade econômica ou jurídica venha a se concretizar na vigência da nova lei, o auferimento dos lucros se daria em período pretérito e a distribuição dos dividendos ocorreria em momento posterior, em plena violação ao princípio da irretroatividade.

Como se verifica, não é novidade que o projeto gerou intensas críticas nos últimos meses por parte de diversas entidades diante da falta de transparência quanto aos impactos financeiros e fiscais das alterações e pela inexistência de apresentação de estudos pelo Governo de equalização da carga tributária da pessoa física e jurídica. Qualquer mudança legislativa, sobretudo sem ampla discussão como é o caso do PL 2337/21, certamente irá gerar uma mudança de comportamento das empresas e dos contribuintes, e consequentemente, impactos diversos na ordem econômica.

Diante desse cenário, tendo em vista a possibilidade de aprovação do projeto ainda esse ano, os movimentos, já foram iniciados (e não poderia ser diferente!): empresas buscando autorização na CVM para recompra de ações, bancos oferecendo empréstimos para as empresas adiantarem a distribuição de dividendos, consultores e tributaristas já avaliando planejamentos tributários com base na dubiedade da redação do projeto de lei uma vez que o legislador quer capturar os estoques de lucro acumulado, deliberações adiantadas de dividendos, ocasionando um grande possibilidade de contencioso para o próximo ano, seja em relação a medidas propositivas para evitar a tributação ou reativas da receita federal em relação aos planejamentos executados.

Em conclusão, qualquer reforma que vise o desenvolvimento do país, seja sob o aspecto econômico ou social, deverá estar pautada em políticas públicas robustas, com transparência fiscal dos potenciais impactos, interdição de debates com todos os agentes envolvidos e que diminua o “custo Brasil”, colaborando com o crescimento do país. Sabe-se que há inúmeros problemas na nossa legislação tributária sobre a renda, no entanto a proposta de tributação dos dividendos com a tentativa de remediar o déficit público, ao que nos parece, sequer cumpre com as premissas pelo qual foi justificado: nada simplifica, nada comprova a manutenção da carga tributária global, aumenta o custo de fiscalização e traz perda de competitividade à nível internacional, gerando um extremo desgaste político e social.

 


Autores:

Isabella Fochesatto Panisson

Advogada. Associada do WLM. Coordenadora da Área Tributária da JP Leal Advogados. LLM Tributação dos Negócios e das Empresas pela Unisinos/POA. Mestranda em Direito Tributário pela FGV/SP. Membro da Comissão Especial de Direito Tributário da OAB/RS. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário (IBRADIM)

Flávia Leivas da Rosa

Advogada na Pimentel & Rohenkohl Advogados Associados. Associada do WLM. Especialista em Direito Societário pela Fundação Getúlio Vargas – FGV

 


Referências:

[1] Importante relembrar que na exposição de motivos do projeto de lei que deu origem à Lei nº 9.249/95, o Ministro da Fazenda apontou que a concentração da tributação da renda na pessoa jurídica se justificava pela simplificação dos controles, inibição à evasão fiscal e investimentos nas atividades produtivas.

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