Nunca se falou tanto em bem-estar, felicidade e equilíbrio de vida dentro das organizações e no universo do trabalho, como na atualidade. “Propósito”, “engajamento” e “colaboração” se tornaram palavras populares no vocabulário corporativo. Queremos uma carreira com significado, que nos motive e que nos permita conciliar vidas profissional e pessoal, seja dentro de uma empresa ou construindo uma trajetória autônoma.
Por outro lado, a ansiedade, a depressão e o estresse nunca foram tão percebidos como patologias do cotidiano profissional, como hoje em dia. E “burnout”, “taquicardia” e “rivotril” também se tornaram conceitos bem conhecidos (e praticados!) pelos colaboradores das empresas e pelos empreendedores.
E por que vivemos este paradoxo?
Como pesquisadora e profissional de Recursos Humanos há muitos anos, tenho me questionado recorrentemente sobre esta questão. E algumas hipóteses sobre os motivos deste cenário podem surgir relacionando-os à tecnologia e à era digital. Neste caso, a velocidade acelerada do mundo aliada à sensação de que nunca estamos completos e satisfeitos, pela quantidade de informações e estímulos, impactariam na saúde dos profissionais.
Sem dúvida, os avanços tecnológicos e os dilemas da nossa sociedade contribuem para atenuar a contradição “queremos ser cada vez mais ser felizes” x “estamos cada vez mais adoecendo”. Porém, a minha tese é de que o “x” da questão está no nosso mindset.
Segundo Carol S. Dweck, mindset significa a lente pela qual enxergamos a vida e como nos comportamos diante dela. E o que acontece é que temos, historicamente como construção social do mundo ocidental, um mindset mais voltado a identificar e aprofundar problemas e buscar soluções para aquilo que não funciona à nossa volta. Ou seja, focamos em investigar as disfuncionalidades, as patologias e as doenças.
E como isso pode impactar no mundo do trabalho?
Muitos devem conhecer a famosa frase de Peter Drucker “a cultura engole a estratégia no café da manhã”, certo? Eu iria um pouco além, concordando com aqueles que dizem que antes da cultura, temos ainda o mindset.
Isso quer dizer que, na teoria, uma empresa pode defender uma estratégia que valorize o bem-estar, busca pelo propósito, equilíbrio e qualidade de vida. E os seus líderes (ou o empreendedor do seu negócio) podem disseminar este discurso pelos corredores da empresa. Porém, se, na prática, a cultura -que se manifesta por meio do mindset – não acredita nesta estratégia, as lideranças trarão apenas palavras bonitas e profundas como retórica, mas estes conceitos serão todos “engolidos” no dia a dia.
Então, se o “x” da questão está no mindset tradicional, que valoriza os aspectos mais negativos, como podemos mudá-lo para uma lente mais funcional?
Eu acredito que uma das respostas pode estar na Psicologia Positiva, área científica da qual venho me aprofundando nos últimos anos.
Embora eu tenha feito Mestrado Acadêmico anteriormente, nele só consegui mergulhar nas patologias do ambiente profissional e consumir pesquisas e estudos que me mostraram um diagnóstico nada agradável sobre as doenças mentais e físicas que podem ser desenvolvidas no trabalho. Paralelamente, minhas experiências profissionais também comprovaram um mindset mais tradicional predominando dentro nas organizações.
E foi apenas quando descobri a Psicologia Positiva, especialmente em 2017, quando me mudei para Portugal, que comecei a me conectar com soluções e formas de construir um novo mindset.
Mas o que exatamente é Psicologia Positiva?
Embora a Psicologia Positiva tenha sido instituída oficialmente a partir dos anos 2000, com os psicólogos Martin Seligman e Mihaly Csikszentmihaly, sua origem surge na Grécia Antiga, passando pelo mundo oriental (especialmente pelo budismo e pelo hinduísmo) e pela Psicologia Humanista, tendo como principais influenciadores Abraham Maslow e Carl Rogers.
Seligman e Csikszentmihaly, fundadores do movimento, denominam a Psicologia Positiva como o “estudo científico do funcionamento humano ideal que visa descobrir e promover os fatores que permitem que os indivíduos e as comunidades prosperem”.
Ou seja, é uma área científica que surge questionando aquele mindset tradicional mencionado anteriormente, habituado a focar somente naquilo que não funciona (doenças, patologias, disfuncionalidades) e a colocar imensa energia no que precisa ser melhorado, muitas vezes esquecendo daquilo que funciona.
Neste sentido, a Psicologia Positiva tem como principal objeto de estudo investigar justamente aquilo que os indivíduos e as instituições possuem de melhor e que os fazem prosperar, e estudar como potencializar suas forças e nos mostrar o que podemos aprender com casos bem-sucedidos.
Os pilares desta área científica são: as experiências subjetivas positivas (o que faz as pessoas se sentirem bem), os traços individuais (identificar e potencializar talentos internos, forças e virtudes nos seres humanos) e as instituições positivas (investigar e potencializar o que existe de melhor nas comunidades, nas famílias, nas escolas, nas organizações, etc).
E no trabalho, como utilizar a Psicologia Positiva?
Pensando no ambiente do trabalho e carreira, existem alguns conceitos e práticas deste campo científico que podem ser estudados e aprofundados, como a aplicação do modelo PERMA de bem-estar, o flow, a investigação apreciativa, entre outros. E, em breve, discutiremos cada um deles em futuros artigos.
Entretanto, quero trazer aqui o ponto que considero ser o mais importante para começarmos a falar de mudança de mindset: a abordagem centrada em forças. Ou seja, identificarmos e valorizarmos o que temos de melhor, e focarmos nosso desenvolvimento em potencializar estas forças.
Logicamente que olhar para os nossos gaps também é fundamental. Contudo, eles não devem ser o foco maior da nossa atenção, como costuma ocorrer hoje. Sofremos e gastamos muita energia em tentar corrigir e melhorar nossas fraquezas, enquanto poderíamos equilibrar esta energia dando ainda mais ênfase para nossos talentos. E por mais que esta lógica pareça óbvia, nosso mindset tradicional ainda se concentra nos gaps e naquilo que não funciona, seja nos indivíduos, seja nas sociedades.
Pensando no universo profissional, isso significa identificar e reconhecer as forças e os talentos que cada colaborador possui, e que pode potencializar para se tornar ainda melhor. Afinal, as pessoas são diferentes, com forças diferentes. Por que, ao invés de tentarmos colocar todos na mesma régua e exigir que 100% do time tenha todas as competências bem desenvolvidas, não aproveitamos o melhor de cada um?
No momento em que o João é excelente em comunicação, mas é pouco planejado, será que o foco do seu Plano de Desenvolvimento Individual não deveria ser potencializar a sua comunicação, com projetos mais complexos que o permitissem desenvolver ainda mais esta competência, ao invés de só desenhar ações para ele tentar ser mais planejado? Será que João não trará melhores resultados para a empresa, e se sentirá mais feliz e engajado, colocando energia nos seus talentos, ao invés de passar a maior parte do tempo “correndo atrás” do seu gap? E será que não vale mais a pena que a Maria, excelente em planejamento, lidere projetos e se desenvolva ainda mais nesta competência – já que sua força está nela- do que o João?
O ponto não é que João não deva aprender a ser mais planejado. Mas ele não deve perder o foco da sua força em comunicação e em potencializá-la ainda mais dentro da empresa. Provavelmente ele nunca será a maior referência da sua área na competência de planejamento. Mas certamente alcançará resultados extraordinários por meio da sua comunicação. E ok! A área é composta de diferentes pessoas justamente para colocar à tona o melhor de cada um. E não para exigir que todos entreguem com excelência todas as competências existentes.
A questão é que o mindset tradicional no trabalho nos diz que devemos focar em desenvolver aquilo que não fazemos bem. E o ponto é que focar essencialmente nisso pode gerar desmotivação ou angústia que, por consequência, podem se desencadear em tristeza ou depressão, ou mesmo em quadros de ansiedade. Afinal, deixamos de valorizar nossas forças e nos concentramos em dar atenção primordialmente para nossas fraquezas. Quem se motiva deste modo?
E isso não acontece somente individualmente. Muitas equipes esquecem suas forças como grupo, e focam apenas nos seus gaps, se tornando desmotivadas e infelizes.
Em resumo, para de fato construirmos ambientes profissionais mais equilibrados, saudáveis e funcionais, precisamos realmente acreditar que eles têm valor. E entender que uma das principais formas, segundo a ciência, é justamente colocarmos a lente e explorarmos o melhor que temos para oferecer ao mundo, ao invés de colocarmos o peso somente nos nossos gaps.
Que tal começarmos por você?
Quais são as suas principais forças? Você tem clareza sobre elas? E o quanto você vem mobilizando suas forças no seu dia a dia profissional?
Por: Elisa Zingano, Fundadora WLM
Pesquisadora e pós graduada em Psicologia Positiva Aplicada pela Universidade de Lisboa.
Mestre em Administração pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
Fundadora e consultora na Elisa Zingano Desenvolvimento Humano e Organizacional.
www.elisazingano.com