Segurança Psicológica

Segurança Psicológica no trabalho: um novo paradigma sob o foco do compliance trabalhista

Autora: Samantha Magalhaes Porto

1. Introdução

A segurança psicológica no ambiente de trabalho tem se tornado um dos pilares da gestão moderna de pessoas e da governança corporativa ética. Mais do que a ausência de assédio ou discriminação no trabalho, trata-se da criação de um espaço em que os trabalhadores possam expressar ideias, preocupações e emoções sem medo de retaliações, onde a vulnerabilidade é premiada e não punida.  

Sob a ótica jurídica e organizacional, a segurança psicológica integra o dever do empregador de zelar pela saúde integral do trabalhador, previsto nos artigos 157 e 158 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e nos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) e dos valores sociais do trabalho (art. 1º, IV) da Constituição Federal de 1988.

Nesse contexto, Timothy R. Clark, a partir do conceito desenvolvido pela professora Amy Edmondson (Harvard), popularizou um modelo pragmático para entender e desenvolver a segurança psicológica em organizações. O cerne do conceito é que funcionários sentem-se seguros para serem eles mesmos, aprenderem, contribuírem e desafiarem o status quo sem medo de punição, vergonha ou retaliação.

2. Modelo de Segurança Psicológica no Trabalho por Timothy Clark 

Clark divide a segurança psicológica em quatro estágios (resumidamente):

  1. Inclusion Safety (Segurança de inclusão) — o indivíduo sente que pertence ao grupo; sua presença é aceita.
  2. Learner Safety (Segurança para aprender) — o indivíduo sente-se seguro para fazer perguntas, pedir ajuda e admitir erros.
  3. Contributor Safety (Segurança para contribuir) — o indivíduo sente que pode contribuir com ideias e esforço, que suas habilidades serão usadas.
  4. Challenger Safety (Segurança para desafiar) — o indivíduo sente que pode desafiar ideias, práticas e decisões sem medo de perseguição.

Cada estágio é acumulativo: sem inclusão, torna-se difícil avançar a aprendizagem; sem aprendizagem, reduz-se a contribuição; sem contribuição, não ocorrerá o desafio construtivo necessário para inovação e correção de rumos.

3. Por que segurança psicológica importa para o compliance trabalhista

A ligação entre segurança psicológica e compliance trabalhista ocorre em diferentes dimensões:

  • Prevenção de ilícitos e condutas de risco: ambientes onde empregados temem falar tendem a ocultar irregularidades (assédio, fraudes, violações de norma), aumentando risco de responsabilização da empresa.
  • Detecção precoce e canais de denúncia: segurança psicológica melhora a efetividade de canais internos (whistleblowing), reduzindo e prevenindo riscos administrativos e judiciais.
  • Redução de risco de demandas trabalhistas: práticas que alimentam medo, humilhação e/ou retaliação elevam probabilidade de ações na Justiça do Trabalho por assédio moral, danos extrapatrimoniais e indenizações, por exemplo.
  • Conformidade com normas de saúde e segurança: a segurança psicológica dialoga com obrigações de integrar saúde mental nas políticas de SST (saúde e segurança no trabalho), inclusive para fins de responsabilidade objetiva. Leia-se aqui o que estamos vivenciando e acompanhando com a nova NR1 e os inclusos riscos psicossociais. 
  • Cultura e princípios éticos: compliance não é só controle/conformidade; é cultura. Segurança psicológica é condição para que valores éticos se manifestem em comportamento concreto.

4. Riscos jurídicos se a segurança psicológica for negligenciada

Empresas que não cultivam segurança psicológica podem enfrentar:

  • Ações por assédio moral coletivo ou individual — quando práticas organizacionais criam ambiente opressor.
  • Responsabilização por retaliação — demissão, rebaixamento ou outras medidas contra quem denuncia irregularidades.
  • Multas administrativas — órgãos fiscalizadores do trabalho podem punir empresas por falhas em prevenir riscos psicossociais.
  • Dano reputacional e perdas contratuais — fornecedores, clientes e investidores evitam empresas que não demonstram governança responsável.

5. Como integrar o modelo de Clark ao compliance trabalhista — práticas recomendadas

5.1 Diagnóstico e mapeamento

  • Realizar assessment de clima organizacional com indicadores específicos de segurança psicológica (percepção de pertencimento, liberdade para falar, confiança em gestores).
  • Mapear pontos críticos: setores com maior rotatividade, histórico de denúncias, lideranças com queixas recorrentes.

5.2 Políticas e procedimentos

  • Atualizar código de ética e políticas de RH para explicitar proteção contra retaliação, garantias processuais e tratamento confidencial de denúncias.
  • Incluir cláusulas contratuais e políticas internas que reforcem liberdade de expressão responsável e proteção à saúde mental.

5.3 Canais de denúncia e acolhimento

  • Projetar canais de denúncia acessíveis, anônimos e com garantias processuais, e comunicar claramente o fluxo de tratamento e prazos.
  • Implementar mecanismos de acolhimento (apoio psicológico, mediação) e protocolos de investigação que protejam o denunciante.

5.4 Capacitação de lideranças

  • Treinar gestores para promover inclusion, learner e contributor safety: feedback construtivo, escuta ativa, gestão de erros.
  • Avaliar gestores por métricas de clima, não só por indicadores financeiros — incluir avaliação 360°.

5.5 Monitoramento e métricas

  • KPIs sugeridos: taxa de denúncias resolvidas, índice de percepção de segurança psicológica, rotatividade por equipe, dias perdidos por afastamentos psicossociais.
  • Auditorias periódicas de compliance trabalhista com foco em práticas de gestão de pessoas.

5.6 Resposta a incidentes e remediação

  • Planos de remediação que incluam medidas corretivas, reparação às vítimas e retrabalho em políticas quando necessário.
  • Transparência interna sobre aprendizados (sem expor confidências) para demonstrar compromisso.

6. Conclusão

A segurança psicológica, tal como sistematizada por Timothy R. Clark, é um componente essencial de programas modernos de compliance trabalhista. Sua incorporação reduz riscos legais, fortalece canais de denúncia e permite uma cultura organizacional mais ética e resiliente. 

Para o compliance trabalhista contemporâneo, investir em inclusão, aprendizagem e em práticas que protejam o direito de questionar não é apenas uma política de bem-estar: é estratégia jurídica e econômica que previne litígios, preserva reputação, melhora desempenho e dá muito, mas muito mais retorno financeiro.

Em tempos de transformações profundas no mundo do trabalho, o desafio é unir consciência organizacional e conformidade jurídica, reconhecendo que o capital mais valioso de qualquer empresa é o capital humano, e sua saúde emocional e a segurança psicológica de seus trabalhadores importam e só trazem benefícios para todos os envolvidos nas relações de trabalho. 


Referências Bibliográficas

BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

BRASIL. Constituição Federal de 1988.

BRASIL. Lei nº 14.457, de 21 de setembro de 2022.

CLARK, Timothy R. The 4 Stages of Psychological Safety: Defining the Path to Inclusion and Innovation. Berrett-Koehler Publishers, 2020.

SCHARMER, Otto. Teoria U: Como Liderar pela Percepção e Realização do Futuro. São Paulo: Cultrix, 2010.

EDMONDSON, Amy C. The Fearless Organization: Creating Psychological Safety in the Workplace for Learning, Innovation, and Growth. Wiley, 2019.

FISCHER, André. Compliance Trabalhista: gestão de riscos e integridade nas relações de trabalho. São Paulo: Saraiva, 2021.

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