Autora: Vitória Coradini Moglia (OAB/RS 133.406)
O Contrato de Parceria Rural, previsto no Estatuto da Terra e regulamentado pelo Decreto n.º 59.566/66, é instrumento essencial no agronegócio brasileiro. Trata-se de uma das modalidades de cessão do uso do imóvel rural, pela qual o proprietário (parceiro-outorgante) cede o uso da terra ao parceiro-outorgado para exploração de atividade rural.
Em teoria, o contrato de parceria rural representa um modelo equilibrado e justo de exploração do imóvel rural. Na prática, contudo, quando mal redigido ou executado, pode gerar prejuízos relevantes ao proprietário do imóvel rural.
A essência da parceria rural está na comunhão de esforços e na partilha dos riscos e resultados. Assim, a remuneração recebida pelo proprietário – quem cede o uso da terra – não é fixa, devendo variar de acordo com produtividade e o resultado da atividade. Essa é a principal diferença em relação ao arrendamento rural, em que há pagamento fixo pelo uso da terra, independentemente da produção.
A carga tributária incidente sobre a parceria rural é consideravelmente mais baixa do que a do arrendamento. Por essa razão, em busca de benefícios fiscais, muitos contratos são redigidos como se fossem parcerias, mas funcionam, na prática, como arrendamentos disfarçados.
Ocorre que, nessas hipóteses, a parceria é apenas formal, e a Receita Federal, com o objetivo de identificar possíveis omissões de receitas tributáveis, tem intensificado a fiscalização dessas situações. Desde 2019, com a Operação Declara Grãos e, mais recentemente, em 2023 com a Operação Declara Agro, o cruzamento de informações pela Receita Federal se tornou altamente sofisticado. São analisadas em conjunto notas fiscais, livro-caixa digital do produtor, registros da parceria rural e as declarações de imposto de renda do parceiro proprietário e do parceiro agricultor.
Exemplos comuns de práticas que podem ser entendidas pela Receita Federal como indícios de arrendamento — e que podem levar à descaracterização da parceria — incluem:
- Pagamento fixo em dinheiro ou em quantidade predeterminada de grãos, sem variação conforme a produtividade; e
- Ausência de previsão clara sobre divisão de despesas e riscos;
Se, após análise dos dados e fiscalização, a Receita concluir que o contrato funciona como arrendamento, poderá descaracterizá-lo, resultando em cobrança retroativa de tributos incidentes sobre os valores recebidos pelo proprietário, com acréscimo de juros e multas que podem variar de 100% a 150%, em caso de fraude. Isso porque, no contrato de arrendamento, o rendimento recebido pelo proprietário rural é tributado como receita de aluguel, enquanto, na parceria rural, os parceiros são tributados como receita da atividade rural.
Portanto, mais do que nomear corretamente o contrato, é fundamental garantir que a execução reflita a realidade econômica e jurídica da parceria — com divisão proporcional dos frutos, variação da remuneração conforme a produção e efetiva comunhão de riscos. Para o Fisco, o que importa é a substância dos fatos, não apenas a forma, não bastando denominar o contrato como “parceria rural” se, na prática, trata-se de um arrendamento.
A parceria rural permanece sendo uma alternativa legítima e estratégica para a cessão do uso da terra, no entanto, exige atenção redobrada. Em um cenário de crescente fiscalização e autuações relevantes, a segurança jurídica depende de contratos bem elaborados e preventivos, que expressem a realidade do regime de exploração rural e assegurem conformidade com a legislação.
Referências:
BARUFALDI, Cristiano. Do Imposto sobre a Renda das Pessoas Físicas (IRPF) nos Contratos de Arrendamento e Parceria Rural. In: Estudos de Direito para Famílias Empresárias – 50 anos da Barufaldi Advogados, Editora Livraria do Advogado, Ano 2024.
CANAL RURAL – Divergências em contratos de parceria e arrendamento estão no foco da Receita Federal. Disponível em: https://www.canalrural.com.br/agricultura/divergencias-em-contratos-de-parceria-e-arrendamento-estao-no-foco-da-receita-federal/
CARF – Conselho Administrativo de Recursos Fiscais. Acórdão n.º 2202-010.121. Processo n.º 15868.720232/2012-05. Relator: Leonam Rocha de Medeiros. Data da Sessão: 13/07/2023.
CARF – Conselho Administrativo de Recursos Fiscais. Acórdão n.º 2301-011.249. Processo n.º 11070.738077/2019-67. Relatora: Angelica Carolina Oliveira Duarte Toledo. Data da Sessão: 12/04/2024.
CARF – Conselho Administrativo de Recursos Fiscais. Acórdão n.º 2401-012.308. Processo n.º 12571.720076/2017-16. Relator: Marcio Henrique Sales Parada. Data da Sessão: 08/09/2025.
‘Decreto n.º 59.566, de 14 de novembro de 1966. Regulamenta as disposições do Estatuto da Terra.
GOV.BR / Receita Federal. Operação DeclaraGrãos RS promove conformidade tributária de produtores rurais. Disponível em: https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/assuntos/noticias/2022/novembro/operacao-declaragraos-rs-seis-mil-contribuintes-produtores-rurais-receberao-nos-proximos-dias-cartas-para-regularizar-situacao-do-imposto-de-renda
Lei n.º 4.504, de 30 de novembro de 1964 (Estatuto da Terra).
QUERUBINI, Albenir. Desenvolvimento de contratos agrários – arrendamento e parcerias rurais. Disponível em: Academia.edu.
ZENETTE, Antônio Carmelo. A crise do contrato agrário: novos paradigmas do arrendamento e da parceria rural. Disponível em: Lume/UFRGS


