A utilização de meios alternativos de solução de controvérsias no direito tributário pressupõe, inevitavelmente, que determinados dogmas e condições inerentes ao nosso tumultuado contencioso tributário sejam enfrentadas, o que, de fato, vem sendo perquirido pelo Congresso Nacional nos últimos anos ante a tão esperada promessa de reforma tributária[1].
Neste contexto, foram apresentados, nos anos de 2019 e 2020, respectivamente, os Projetos de Lei nº 4.257 e 4.468 os quais buscam oportunizar, entre outras coisas, a resolução de conflitos entre Fisco e os contribuintes fora do Poder Judiciário.
O Projeto de Lei nº 4.257 (“PL nº 4257/19”), apresentado dia 06 de agosto de 2019, altera a Lei de Execuções Fiscais para trazer a arbitragem como método de solução de conflito judicial a devedores inscritos em dívida ativa, apesar de já existirem outros meios como a transação e o negócio jurídico processual.
Assim, oportuniza-se, por meio deste, que o contribuinte opte pelo julgamento dos seus Embargos à Execução, a Ação de Consignação e Pagamento e a Ação Anulatória pelo juízo arbitral, desde que, segundo o artigo 16-A[2], oferecida garantia (dinheiro, fiança bancária ou seguro garantia).
A instituição deste novo método de resolução oferecida pela PL nº 4257/19 encontra justificativa na necessidade de recuperação do crédito tributário, motivo pelo qual opta por não limitar a matéria base de escopo cabível de apreciação pelo juízo arbitral, permitindo, inclusive a discussão de matérias constitucionais.
Ocorre que referido projeto busca através da arbitragem resolver o problema da arrecadação da execução e dos estoques de processos de execuções fiscais, enquanto, na verdade, deveria estar utilizando-a como forma de sanar litígios tributários cuja certeza do direito é questionada (casos em que não se sabe se o crédito tributário lançado é devido ou não), de forma célere, flexível, pautada na confidencialidade e especialidade do julgador[3].
Desta forma, verifica-se que, a arbitragem prevista na PL nº 4257/19 terá pouca efetividade na prevenção e resolução de conflitos em matéria tributária no Brasil, mormente porque, não só, condiciona a garantia do débito executado, visto que, em grande parte das execuções fiscais em tramite no país, os contribuintes não têm bens para ofertar em garantia, mas porque utiliza-se da arbitragem de forma equivocada.
O grande problema da litigiosidade tributária não resta amparado na arrecadação, mas sim ante ao remansoso e rígido sistema tributário nacional, o qual encontra-se pautado em inseguranças jurídicas quanto aos conceitos e ao alcance das normas tributárias, bem como na própria instabilidade das decisões administrativas e judiciais.
Tanto é assim que, como é de comum conhecimento, o sistema tributário nacional é um dos mais complexos do mundo, possuindo, segundo o estudo “Quantidade de Normas Editadas no Brasil” feito pelo Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT) 30.837 (trinta mil oitocentos e trinta e sete) normas atualmente em vigor.[4] Assim, insta claro descolamento da PL nº 4257/19 aos próprios objetivos e atrativos da arbitragem.
Diferentemente, o Projeto de Lei nº 4.468/20 (“PL nº 4468/20”), apresentado dia 03 de setembro de 2020, institui a arbitragem especial tributária no curso da fiscalização tributária (excepcionados, aqui, os casos em que o crédito tributário já tenha sido constituído), para prevenir conflitos mediante solução de controvérsias sobre matérias de fato.
Assim, ao contrário do PL nº 4257/19, as matérias objeto de arbitragem não são amplas, estando expressamente vedado, nos termos do artigo 2º do PL nº 4468/20, a discussão sobre constitucionalidade de normas jurídicas, sobre lei em tese e sobre decisão contrária a entendimento consolidado pelo Poder Judiciário nas hipóteses do que trata o artigo 927 do CPC, bem como julgamentos em sede de repercussão geral do Supremo Tribunal Federal.
Note-se, portanto, que a arbitragem especial que trata o projeto supracitado não se preocupa com a ineficiência da recuperação do crédito tributário, mas sim busca apenas minimizar novos conflitos em matéria tributária (o que faz certo!).
Entretanto, nem tudo são flores. Apesar dos acertos quanto a limitação do objeto, o mesmo incorre em equívoco ao passo que restringe a atuação do juízo arbitral a solução de controvérsias sobre matérias de fato.
Isto porque, para fins de eficácia do procedimento, o objeto da matéria deveria ser ampliado para também debater questões de direito, uma vez que não há como qualificar o fato sem analisar o direito, mormente em face do princípio da legalidade, que obrigatoriamente deve pautar quaisquer discussões com a Fazenda Pública.
Assim, verifica-se que por mais próximo aos reais objetivos da arbitragem tributária, o referido projeto de lei deixa a desejar, ao passo que exclui parcela significativa da matéria do seu bojo.
Note-se que, independentemente da forma em que instaurada, seja através do PL nº 4257/19 ou da PL nº 4468/20, a necessidade de garantir maior celeridade aos procedimentos é uma necessidade do direito tributário. No judiciário, o cidadão sabe apenas quando entra em juízo, mas dificilmente conseguirá precisar quando sairá. Facilmente, um processo judicial supera a casa dos quinze, vinte anos de duração, o que gera custas e intranquilidade as partes.
Segundo o presidente da ABDF, Gustavo Brigagão, cerca de R$ 5,5 trilhões atualmente são discutidos no contencioso tributário do país. E que, somando 8 anos na esfera administrativa e 12 anos no Judiciário, em média leva-se um total de 20 anos para a resolução de um litígio tributário no Brasil[5].
Na contramão a esta realidade do atordoado Poder Judiciário, a arbitragem é um procedimento naturalmente célere. Isto porque, não só a própria Lei de Arbitragem fixa prazo de seis meses para apresentação da sentença, no caso em que não convencionado prazo pelas partes, mas a própria duração média dos procedimentos arbitrais de um ano e noves meses[6], o qual inclui a realização de provas e audiências, é prova da sua agilidade. Isso sem falar nas arbitragens expeditas, ainda mais rápidas.
Assim, verifica-se ser a arbitragem um método eficaz para garantir a celeridade dos procedimentos, sendo uma escolha acertada do legislador. Entretanto, ressalta-se aqui que a sua simples aplicação sem a devido alinhamento dos projetos aos objetivos e atrativos da arbitragem, não garantirá os resultados atingidos há mais de 25 anos pela Lei de Arbitragem ao ordenamento jurídico tributário nacional.
AUTORES:
Luiza Tonial Ribeiro
Jussandra Hickmann Andraschko
FONTES:
[1]https://www12.senado.leg.br/noticias/infomaterias/2021/11/senado-discute-ampla-reforma-tributaria-em-meio-a-busca-de-recursos-para-auxilio-brasil
[2] Art. 16-A. Se o executado garantir a execução por depósito em dinheiro, fiança bancária ou seguro garantia, pode optar pela adoção de juízo arbitral para julgar os embargos ofertados, respeitados os requisitos da Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996, e os a seguir definidos, na forma do regulamento de cada entidade da Federação.
[3] Cfr. Thiago Rodovalho. A Arbitragem e seus atrativos. In: Jornal gazeta Limeira, Coluna Fatos & Direito. 1º Caderno, p. 2, em 11.08.2013; Thiago Rodovalho. Arbitragem e os negócios empresariais – análise econômica da arbitragem, in Adalberto Simão Filho. Elias Marques de Medeiro Neto e Janahim Dias Giguri. Direito dos negócios aplicado. Vol II (Do direito Processual), Coimbra: Almedina ,passim; e, Thiago Rodovalho, Aspectos Introdutórios da Arbitragem, in: Manual de Arbitragem para Advogados. Conselho Federal da OAB e CACB, p.14.
[4] Estudo feito em 30 de setembro de 2021. Disponível em: https://ibpt.com.br/quantidade-de-normas-editadas-no-brasil/. Acesso dia 28.11.2021.
[5] https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2021/02/10/porto-alegre-tera-projeto-piloto-de-mediacao-tributaria.ghtml
[6] https://www.migalhas.com.br/quentes/299336/arbitragem-demora–em-media–1-ano-e-9-meses-para-solucionar-conflitos-no-brasil