Minha mãe machista criou uma feminista

Minha mãe, nascida na zona alemã, na década de 50, tem um discurso tipicamente machista. Se perguntarem pra ela sobre casamento e filhos ela certamente dirá que isso é imprescindível para uma mulher, deixando de lado qualquer menção à carreira, como se essa parte fosse mero acessório e não tivesse nenhuma importância. Também ela se incomoda com mulheres fortes que se destacam na mídia por suas carreiras, tende a achá-las “metidas”, inapropriadas. Minha mãe não entende que uma mulher não queira casar ou ter filhos e certamente vai fazer comentários de pena ou desconfiança sobre essas mulheres. Minha mãe, embora já não acredite mais na necessidade da virgindade, ainda se ressente e se choca da liberdade sexual das mulheres que tem muitos parceiros. Ela também acha que a mulher que anda com roupas provocantes está pedindo pra ser agredida. Minha mãe tem a formatação machista que a maioria das mulheres ainda tem e seu discurso é sua zona de conforto, são as verdades com as quais foi criada e se sente à vontade para reproduzir. Mesmo assim ela é uma mãe maravilhosa. Mesmo assim criou uma filha feminista.

Mas como?

Foram suas ações e não suas falas que me tornaram quem sou.

Minha carreira sempre foi importantíssima pra minha mãe. Não havia a hipótese, na minha criação, de não estudar e “ser alguém”.

Ganhar meu próprio dinheiro sempre foi estimulado e valorizado. Minha mãe me criou pra ser independente.

Todas as oportunidades  profissionais que tive e que muitas vezes incluíam viagens ao exterior com grupo majoritariamente masculino foram amplamente incentivadas por ela. Nunca minha mãe apontou o fato de eu ser mulher como um limitador para fazer algo na minha carreira.

Lembro de como ela incentivava a minha exposição, a participação em tudo que pudesse alavancar minha carreira. Lembro de como ela valorizava que eu me sentasse à mesa grande, junto com quem “mandava”.

Ironicamente ela me criou pra ser “metida”, esperando sempre que, no mínimo, eu tentasse ser protagonista.

Lembro de como ela se enchia de orgulho de qualquer mínima ação que me colocasse em evidência.

E tenho certeza de que se eu tivesse optado por não casar e ter filhos, ainda que lhe frustrasse, ela acharia um jeito de ver positivo e também se orgulharia das minhas decisões.

Na prática, minha mãe está muito mais para as feministas do início do século passado do que para as machistas crônicas de todas as épocas. Ela desafiou a sociedade num casamento com um homem desquitado e viveu até o final o seu grande amor com esse homem, meu pai, que por sua vez era o menos machista dos mortais.

Minha mãe, tendo terminado apenas o segundo grau, foi mesmo assim uma empreendedora, e tinha inúmeras ideias de negócios que por várias vezes lhe trouxeram ganhos econômicos interessantes. Sem nunca pedir permissão para o meu pai, ressalte-se.

Viagens de férias, investimentos, pintura da casa, compra de carro, tudo era coordenado e praticamente decidido pela minha mãe. Meu pai apoiava. Minha mãe decidia e fazia.

Grupo de pais e mestres da escola? Minha mãe estava lá, nunca como coadjuvante, sempre tentando liderar.

Assistencialismo? Também lá estava ela, coordenando ações pra juntar fundos ao hospital público da cidade.

Também tenho certeza que minha mãe seria a primeira a brigar (e brigar feio) se percebesse que sua filha estivesse sendo discriminada por ser mulher, que estivesse recebendo menos pelo seu trabalho se comparado a um homem ou que não recebesse oportunidades apenas por conta de seu gênero.

Foi com o modelo de uma mulher forte, que faz escolhas sem pedir permissão e que sempre valorizou o protagonismo que me criei. Não foi o discurso machista que fala que feminista é quem não raspa as axilas, fala essa que também sai da boca da minha mãe…

E compartilho todas essas intimidades da minha vida com o condão de despertar em tantas outras mulheres o seu reconhecimento como protagonistas, como mulheres independentes e, como feministas, por que não?

Quantas mulheres se blindam com os mesmos discursos machistas apenas pra não sair de sua zona de conforto e assumir o controle de suas próprias vidas? Pois gurias, nada é mais machista e castrador da nossa parte do que delegar a um homem as decisões da TUA vida.

Embora a palavra feminismo esteja carregada de pejorativos, no alto dos meus 47 anos, com muito orgulho e sentimento de apropriação da minha identidade, me reconheço feminista pois acredito e busco o direito das mulheres escolherem o que for melhor pra elas e que a partir de suas escolhas devem receber condições iguais nas suas carreiras.

Minha mãe “machista” é um exemplo de feminista, e foi por seu empenho e exemplo que consigo ir além e defender sem medo de sair da zoninha de conforto um mundo de mais igualdade e respeito pra minha filha Nina.

Feliz nosso dia, Mãe!

 

Por: Alessandra Lucchese, Fundadora do WLM

Compartilhar este artigo: