Por Paola Pereira Martins
Advogada, Especialista em Direito Societário e Mestre em Direito Privado (UFRGS)
No cenário jurídico-econômico brasileiro, especialmente no ecossistema de startups e empresas de base tecnológica, o contrato de mútuo conversível desponta como um dos instrumentos mais utilizados para a captação de investimentos em fases iniciais de negócios. Trata-se de uma alternativa que equilibra segurança jurídica ao investidor com a flexibilidade necessária aos empreendedores, especialmente em contextos de alto risco e incerteza.
O que é o mútuo conversível?
O mútuo conversível é, em sua essência, um contrato de empréstimo de recursos financeiros, com uma peculiaridade estratégica: a possibilidade de conversão do crédito concedido em participação societária futura. Ou seja, o valor emprestado pode se transformar em quotas ou ações da empresa investida, caso determinadas condições previamente ajustadas se concretizem.
Esse tipo de contrato não configura, de imediato, um vínculo societário entre o investidor e a empresa — o que o diferencia de um investimento direto por compra de participação. No entanto, carrega a potencialidade de transformar uma relação obrigacional (credor/devedor) em uma relação societária (sócio/sociedade).
Origem e inspiração internacional
A inspiração para o mútuo conversível brasileiro vem das “convertible notes” dos Estados Unidos, especialmente popularizadas por aceleradoras como a Y Combinator. Essas notas oferecem uma estrutura padronizada e eficiente para investimentos em startups, evitando a necessidade de avaliações complexas em estágios muito iniciais dos negócios.
No Brasil, o instrumento ganhou popularidade a partir da lacuna regulatória e do desejo dos investidores de reduzir riscos, principalmente os relacionados à responsabilidade por passivos trabalhistas, fiscais e consumeristas, que poderiam decorrer de um ingresso direto no capital social.
Estrutura do contrato
Apesar de sua base estar no contrato de mútuo (art. 586 do Código Civil), o mútuo conversível não se resume a um empréstimo típico. Ele apresenta cláusulas específicas que visam modular a futura conversão, a exemplo de:
- Evento de conversão: condições que, se cumpridas, autorizam ou impõem a conversão (como uma nova rodada de investimento, atingimento de metas ou prazo determinado).
- Critério de avaliação: define o valuation da empresa para fins de cálculo da participação do investidor.
- Descontos e caps: incentivos ao investidor, como descontos no valuation ou tetos de conversão.
- Opção do investidor: em muitos casos, a conversão é uma faculdade do credor.
- Cláusulas de governança futura: definem direitos mínimos na futura sociedade, como direito a voto, preferência e veto.
Vantagens e desafios
Para as startups, o mútuo conversível representa uma forma menos burocrática e mais célere de captar recursos, sem a necessidade imediata de alterar o quadro societário. Já para o investidor, ele oferece uma porta de entrada estratégica, que possibilita “testar” o desempenho da empresa antes de se tornar sócio.
Contudo, o regime jurídico do mútuo conversível ainda é nebuloso no Brasil, especialmente quanto à sua tipicidade e à natureza jurídica. A LC 182/21 (Marco Legal das Startups) o menciona, mas não o tipifica. Há, ainda, projetos legislativos em trâmite, como o PLP 252/2023, que busca regulamentar os chamados “contratos de investimento conversível em capital social” (CICC).
Considerações finais
O mútuo conversível em participação societária é mais do que uma moda contratual no ambiente das startups, sendo uma solução jurídica sofisticada e adaptativa às demandas do mercado de inovação. Apesar de ainda carecer de regulação específica no Brasil, sua utilização crescente e o interesse legislativo sinalizam para um processo de amadurecimento institucional.
Advogados, investidores e empreendedores devem estar atentos não só aos aspectos econômicos desse tipo de contrato, mas também à sua estrutura jurídica e implicações societárias, garantindo segurança e alinhamento de expectativas entre as partes envolvidas.