Autora: Laiane Moraes dos Santos
A liberdade contratual é um dos pilares das relações entre empresas, pois permite que as partes definam livremente as regras da sua cooperação. No entanto, a proposta de reforma do Código Civil (PL nº 4/2025), atualmente em debate no Senado, retoma uma discussão antiga sobre até onde vai essa autonomia, especialmente quando aparecem situações de desequilíbrio no contrato.
Mesmo reforçando a autonomia privada e o princípio da intervenção mínima, o projeto traz pontos que podem gerar insegurança. Um deles é a previsão de nulidade de cláusulas que violem a função social do contrato, incluída no novo §2º do art. 421. O problema é que o conceito de “função social” não é bem definido, principalmente no contexto de contratos empresariais. Isso pode abrir espaço para interpretações muito amplas, levando a disputas judiciais sobre cláusulas que antes eram consideradas válidas entre empresas com igual poder de barganha.
Outro ponto sensível é o uso de termos como “confiança”, “simetria” e “paridade” para justificar uma possível interferência do Judiciário no conteúdo dos contratos. Esses conceitos, embora importantes, ainda são vagos do ponto de vista técnico. Se forem aplicados de forma imprecisa, podem acabar servindo de argumento para contestar contratos firmados de forma legítima.
No campo da revisão contratual, o novo art. 317 amplia o alcance da teoria da imprevisão. Agora, a revisão judicial pode ocorrer não apenas em casos de fatos imprevisíveis, mas também quando os efeitos de fatos previsíveis forem imprevisíveis. Essa mudança gera dúvidas, porque enfraquece a exigência de imprevisibilidade que sempre foi uma das bases para a modificação dos contratos. Na prática, amplia-se a possibilidade de rever contratos mesmo quando as partes já tinham assumido determinados riscos.
Já o art. 478, que antes tratava apenas da resolução do contrato por onerosidade excessiva, agora passa a prever também a possibilidade de revisão contratual. Ou seja, além de permitir que o contrato seja encerrado quando houver desequilíbrio relevante entre as prestações, o juiz também poderá adaptá-lo para restabelecer o equilíbrio entre as partes. Isso representa uma mudança significativa no sistema, pois amplia a atuação judicial para modificar contratos em vez de apenas extingui-los.
Em resumo, a proposta de reforma tenta equilibrar liberdade contratual com justiça contratual, mas alguns pontos ainda geram insegurança. Ao ampliar os fundamentos para intervenção do Judiciário e usar conceitos abertos sem definição clara, o projeto pode acabar criando mais litígios do que soluções, especialmente no mundo empresarial, que precisa de estabilidade e previsibilidade para funcionar.
Referências:
Projeto de Lei n° 4, DE 2025– Reforma do Código Civil. Senado Federal.
https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=9889356&ts=1742333124214&disposition=inline
“Intervenção mínima e revisão contratual no anteprojeto do CC”, por Carlos Eduardo Pianovski Ruzyk
https://www.migalhas.com.br/coluna/reforma-do-codigo-civil/414914/intervencao-minima-e-revisao-contratual-no-anteprojeto-do-cc
“Reforma no Código Civil pode impactar contratos” – Análise prática com foco empresarial
https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2024/06/03/reforma-no-codigo-civil-pode-impactar-contratos.ghtml
“Tratamento das relações empresariais na reforma do Código Civil”
https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-das-civilistas/410405/tratamento-das-relacoes-empresariais-na-reforma-do-codigo-civil
MARTINS-COSTA, Judith; ZANETTI, Cristiano de Sousa. O novo Código Civil e a demolição do Direito. Folha de S. Paulo. 14 abr. 2025. https://pedrocamaraadvogados.com/reforma-do-codigo-civil-impactos-da-nova-proposta-nas-relacoes-empresariais-e-no-ambiente-de-negocios-brasileiro/
CARDOSO, Victória. Reforma do Código Civil: impactos da nova proposta nas relações empresariais e no ambiente de negócios brasileiro. Pedro Câmara advogados. https://pedrocamaraadvogados.com/reforma-do-codigo-civil-impactos-da-nova-proposta-nas-relacoes-empresariais-e-no-ambiente-de-negocios-brasileiro/
TRINDADE, Marcelo; A reforma do Código Civil e os Contratos – Canal Arbitragem https://canalarbitragem.com.br/boletim-idip-iec/xxii/
Ariana Miranda e Thiago dos Santos Braz da Cruz – Os impactos da nova proposta do Código Civil no âmbito contratual – https://www.conjur.com.br/2025-jun-02/da-nova-proposta-do-codigo-civil-para-os-contratos/
Ulisses César Martins de Sousa – A lei da liberdade econômica e o princípio da intervenção mínima nos contratos: O projeto de reforma do Código Civil como ameaça à segurança jurídica – https://www.migalhas.com.br/depeso/430089/lei-da-liberdade-economica-e-a-intervencao-minima-nos-contratos