A tributação nos Planos de Stock Options

Os planos de Stock Options são estruturados para permitir que executivos de uma companhia e prestadores de serviço com cargos de diferentes níveis de uma companhia possam adquirir, no futuro, ações desta companhia por um preço especificado no passado, ao tempo que a opção de compra foi conferida (exercise price).

Entre as possíveis vantagens destes planos, se destaca o fato de que a companhia ganha por (i) incentivar a busca por elevado desempenho/resultado; (ii) reter talentos durante (e, potencialmente, depois) o período de vesting. Já os beneficiários ganham por (i) usufruírem do retorno financeiro considerável decorrente do próprio desempenho/resultado que ajudaram a construir para a companhia; (ii) possuírem uma vantagem competitiva em relação ao preço das ações da companhia no mercado.

Os planos de Stock Options são, pois, grandes exemplos da ideia “ganha-ganha” da teoria dos jogos e, tal fato, unido ao crescente número de ofertas públicas de ações (IPO), permite traçar um cenário fértil para o aumento do uso desta estrutura pelas companhias.

Ocorre que, no Brasil, a tributação dos resultados gerados com estes planos parece estar longe não é uma unanimidade, nem para as companhias e muito menos para os beneficiários dos planos.

Para as companhias, os aspectos tributários circundam a antiga discussão sobre o caráter de uma verba ser indenizatório ou remuneratório para fins de incidência de contribuição previdenciária e circundam a discussão sobre a necessidade ou não de retenção do Imposto sobre a Renda quando ocorrer o pagamento das montantes aos beneficiários que negociaram as ações.

Há posicionamento da Receita Federal do Brasil[1] e do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais[2] no sentido de que “configuram remuneração pelo trabalho assalariado as importâncias pagas pela empresa a seus empregados (executivos) no âmbito de programa de premiação de longo prazo baseado na aquisição de ações”. De modo que, no entendimento do Fisco e do Conselho, estaria preenchida a hipótese incidência de Contribuição Previdenciária e de retenção do Imposto de Renda na Fonte.

Em sentido oposto, chama atenção de todos o posicionamento mais recente da Receita Federal do Brasil na Solução de Consulta nº 164/2019. Este posicionamento possui linhas que direcionam para o caráter mercantil do ganho obtido como produto destes planos, o que não era, até então, o posicionamento do Fisco Federal. Acrescenta-se a isto o fato de que, um levantamento realizado pelo Mattos Filho Advogados[3] mostra as companhias estão obtendo sucesso em 77% das ações que questionam o tema.

Para os beneficiários, os aspectos tributários são ainda mais numerosos, pois, também existe a discussão em relação à natureza dos planos (remuneratória ou mercantil) para definir se há tão somente ganho de capital submetido à alíquota de 15% quando da ocorrer a venda ou quando ocorrer o acréscimo patrimonial ou se há remuneração sujeita a alíquota progressiva que pode alcançar o patamar de 27,5%. Ainda, há discussão, para os beneficiários, em relação ao momento da ocorrência do fato gerador do Imposto sobre a renda e em relação à base de cálculo que deve ser considerada para a apuração do Imposto. Por último, não é possível deixar de lado as possíveis questões envolvendo acordos de bitributação ou de reciprocidade, caso a companhia não seja brasileira, mas os beneficiários possuam domicílio fiscal no Brasil.

Pois bem, há posicionamento da Receita Federal[4], do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais[5] e de alguns tribunais no sentido de que “trata-se de remuneração e devem ser tributados nesta perspectiva, ou seja, segundo a incidência prevista para a classe dos salários e rendimentos.”[6]. De acordo com estes entendimentos, estaríamos diante – ainda – de “duas remunerações: uma decorrente da compra de ações a valor menor do que o valor de mercado (incidência de alíquota progressiva de até 27,5%), e a segunda, no momento da alienação dessas ações(incidência de alíquota de 15 a 22,5%).[7] Por outro lado, há firme manifestação da doutrina em sentido contrário demonstrando que não estaria caracterizada esta primeira remuneração, pois, no momento do exercício da opção não há percepção de renda, não há acréscimo patrimonial e isto afastaria incidência do imposto sobre a renda à alíquota progressiva.[8]

Esta última linha argumentativa foi observada no voto vencido proferido pelo Conselheiro Alexandre Evaristo Pinto, no acórdão n. 2301-005.752 do CARF: “o único momento passível de tributação seria o da fase de venda das ações, quando a pessoa física estaria sujeita à tributação do ganho de capital decorrente da venda das ações”.

No que diz respeito ao momento da ocorrência do fato gerador do Imposto sobre a Renda o CARF e do TRF da 3ª Região, respectivamente, já se manifestaram no seguinte sentido: (i) o fato gerador em relação ao plano de Stock Options ocorre pelo ganho auferido pelo trabalhador, quando o mesmo exerce o direito em relação às ações que lhe foram outorgadas. Com o exercício da opção, materializam-se todos os aspectos da hipótese de incidência, ou, na expressão adotada pelo CTN, ocorre o fato gerador da obrigação tributária.[9]; (ii) o fato gerador ocorre com a disponibilidade econômica da renda, sendo irrelevante a disponibilidade financeira. Com o exercício da opção, o acréscimo patrimonial é renda tributável[10]

Quanto à base de cálculo do Imposto sobre a Renda, o CARF entende que ela é formada pela diferença entre o preço do exercício e o valor de cotação da ação na data do “efetivo” exercício. O CARF firmou o seguinte posicionamento: “a base de cálculo, tanto na incidência da contribuição previdenciária, como na do IRPF, se apura mediante a diferença entre o valor de mercado na data do efetivo exercício e o preço no momento do exercício das opções, também estabelecendo o aspecto temporal do fato gerador . Além de assim entender, contribuintes foram autuados pela tentativa do Fisco de mensurar a base de cálculo do tributo levando em conta o valor justo da opção no momento da outorga[11]

Todos estes aspectos – que não esgotam o tema, se considerarmos a realidade de companhias estrangeiras que façam, no exterior, a retenção de tributos, por exemplo – geram um número considerável de questões a serem observadas para traçar um panorama sobre a tributação nos planos de stock options, tanto sob a ótica da companhia, quando sob a ótica do beneficiário.

Não fosse suficientemente complexo e instável o cenário atual (multiplicidade de planos e discussões, diferenças de entendimento entre o próprio Fisco, decisões judiciais em sentidos diversos), hoje (21/09/2021), dia que encerramos a elaboração deste artigo, foi – curiosamente – o dia no qual foi homologada a desistência pelo Procuradoria Geral da Fazenda Nacional do Recurso Especial nº 1.737.555. Mas qual a relevância desta desistência para o assunto? A relevância está contida no fato de que este seria o primeiro caso sobre a temática a ser julgado pela Corte Superior e havia uma expectativa em relação ao posicionamento que seria adotado e não foi. Não será.

Mais uma vez, um assunto tributário parece caminhar em sentido oposto à segurança jurídica, contribuindo para a construção do princípio da “surpresa”. Então, estejamos atentos e preparados, pois, embora estudemos Alfredo Augusto Becker como um clássico do Direito Tributário, parece que -a cada curva – podemos nos deparar com manicômio jurídico tributário contemporâneo.

 


AUTORAS:

Luísa Rabadan
https://www.linkedin.com/in/lu%C3%ADsa-rabadan-3b829266/
Advogada, sócia de Rabadan Advocacia, especialista em Direito Tributário pelo IET, associada ao IBDT e ao WLM, professora de Direito Tributário e Direito Empresarial da Ulbra São Jerônimo e Ulbra EAD.

Gabriela Bohrer
https://www.linkedin.com/in/gabriela-bohrer-93aa5b1a1/
Advogada, sócia do escritório Martins Rillo Advogados, especialista em Direito Tributário pela Damásio Educacional, associada WLM, membro da Comissão Especial de Direito Tributário da OAB/RS e moderadora do Grupo de Estudos em Direito Tributário da ESA-OAB/RS.

 


REFERÊNCIAS:

[1] RFB, Solução de Consulta nº 258/2018

[2] CARF, Acórdão nº 2402005.823, Processo Administrativo nº 16327.720433/201527

[3] Acesso em: https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2020/09/10/empresas-vencem-na-justica-disputa-sobre-venda-de-acoes-a-funcionarios.ghtml

[4] RFB, Solução de Consulta Disit nº 175/2010

[5] CARF, Acórdão nº 2301005.761, Processo Administrativo nº 18470.730127/201490

[6] TRF da 3ª Região, Apelação Cível nº 5002396-42.2017.4.03.6144

[7] TRF da 3ª Região, Apelação Cível nº 5002396-42.2017.4.03.6144

[8] FAJERSZTAJN, Bruno; MASAGÃO, Fernando Mariz; COVIELLO FILHO, Paulo. “As Implicações Fiscais dos Planos de Outorga de Opções de Ações (Stock Options). Um panorama geral.” In: Estudos de Direito Tributário – 40 anos de Mariz de Oliveira e Siqueira Campos Advogados. São Paulo, 2018, p. 135 e FILHO COVIELLO, Paulo. “A incidência do IRPF sobre Stock Options. CARF profere importantes decisões.”

[9] CARF, Acórdão 2301-007.000. Processo nº 3896.722356/2013-35

[10] TRF 3ª Região, Agravo de Instrumento nº 5024060-34.2017.4.03.0000

[11] CARF, Acórdão nº 2402005.823. Processo Administrativo nº 16327.720433/201527

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