Encerrar o ano

Encerrar o ano também é um ato de coragem: pausas, permanências e o direito de reposicionar

Quando o cansaço vira identidade profissional

Um dos efeitos mais silenciosos da cultura da produtividade acontece quando o cansaço deixa de ser um estado passageiro e passa a definir quem somos. Muitas mulheres se reconhecem mais facilmente como “a que aguenta tudo” do que como alguém que pode escolher desacelerar sem culpa.

No Direito, essa lógica se intensifica. Jornadas extensas, prazos rígidos, expectativa de disponibilidade constante e ambientes altamente competitivos constroem uma narrativa na qual descansar parece um privilégio indevido. O problema é que esse modelo cobra um preço alto, cumulativo e frequentemente invisível.

Pesquisas globais sobre o ambiente de trabalho mostram que mulheres em posições de liderança relatam níveis mais elevados de exaustão emocional do que homens em funções equivalentes. O relatório Women in the Workplace 2023, da McKinsey em parceria com a Lean In, aponta taxas significativamente maiores de burnout e estresse crônico entre mulheres líderes, além de uma menor sensação de segurança para reduzir o ritmo ou pedir apoio, por receio de julgamentos sobre comprometimento ou capacidade.

Reconhecer o próprio cansaço ao final de um ciclo não é fraqueza. É leitura de realidade.

O mito da virada mágica de ano

Há uma expectativa social de que a simples mudança no calendário traga renovação automática. Como se janeiro tivesse o poder de apagar frustrações acumuladas, conflitos não resolvidos e metas desalinhadas.

Essa ilusão é perigosa porque empurra mulheres para promessas que não dialogam com suas condições reais. A cada fim de ano, multiplicam-se listas de resoluções que ignoram contextos emocionais, sobrecarga estrutural e desigualdade de oportunidades.

Estudos sobre saúde mental indicam que a autocobrança feminina tende a se intensificar justamente em momentos simbólicos de “recomeço”. Segundo a Organização Mundial da Saúde, mulheres apresentam maior prevalência de transtornos relacionados à ansiedade e ao estresse, resultado direto da acumulação de múltiplos papéis sociais e profissionais sem redes de suporte proporcionais.

Recomeçar não é apertar um botão. É um processo. E todo processo exige honestidade sobre o ponto de partida.

No WLM, defendemos que o protagonismo feminino não nasce de promessas vazias, mas de decisões possíveis.

O direito de reposicionar sem explicar demais

Reposicionar-se ainda é frequentemente interpretado como instabilidade. Mudar de ideia, ajustar planos ou redefinir prioridades costuma ser lido como falta de foco, especialmente quando se trata de mulheres.

No entanto, a capacidade de reposicionar é uma das competências mais sofisticadas da liderança contemporânea. Ela exige leitura de cenário, autoconhecimento e coragem para romper expectativas externas. Pesquisas sobre liderança adaptativa mostram que profissionais capazes de revisar estratégias ao longo do tempo apresentam maior sustentabilidade de carreira e melhor tomada de decisão em contextos complexos.

Assumir, ao final de um ciclo, que algo não faz mais sentido é um movimento de maturidade. Permanecer por medo, pressão social ou expectativa alheia cobra um custo emocional muito maior do que a mudança consciente.

Reposicionar-se não significa abandonar tudo. Muitas vezes, significa apenas mudar o modo de estar.

O papel das redes de apoio no fechamento de ciclos

Nenhuma mulher deveria atravessar processos de decisão sozinha. A solidão profissional feminina é amplamente relatada em pesquisas, embora ainda pouco discutida de forma estrutural.

Estudos do Fórum Econômico Mundial e da Harvard Business Review indicam que redes de apoio qualificadas impactam diretamente a permanência de mulheres em posições de liderança, reduzem o estresse ocupacional e favorecem decisões estratégicas mais seguras.

Redes funcionam como espaços de espelhamento e validação. São lugares onde dúvidas não são vistas como fraquezas, mas como sinais de consciência e responsabilidade.

É nesse ponto que iniciativas como o Women in Law Mentoring Brazil se tornam fundamentais. Ao criar espaços seguros de troca, mentoria e escuta, o WLM contribui para que decisões não sejam tomadas sob isolamento, culpa ou exaustão.

Fechar um ciclo acompanhada transforma completamente a experiência.

Encerrar sem romantizar a dor

Existe uma romantização perigosa da resiliência feminina. Histórias de superação são celebradas, mas raramente se questiona por que tantas mulheres precisaram suportar tanto para chegar onde chegaram.

Fechar o ano com consciência também implica reconhecer aquilo que não deveria ter sido normalizado. Ambientes tóxicos. Sobrecargas invisíveis. Silêncios impostos. Dados da ONU Mulheres indicam que a naturalização de jornadas excessivas e da violência simbólica no trabalho impacta diretamente a saúde mental e a permanência das mulheres no mercado.

Nomear essas experiências não é vitimização. É uma estratégia de mudança.

Encerrar um ciclo é um gesto político quando feito com consciência. É afirmar que sucesso não precisa doer para ser legítimo. É reconhecer que pausas não são fraquezas e que permanências conscientes podem ser tão potentes quanto grandes mudanças.

No WLM, seguimos construindo uma narrativa em que protagonismo feminino é sinônimo de escolha, não de exaustão.

Que cada mulher possa fechar este ano com gentileza, consciência e apoio.

Fontes

McKinsey & Lean In. Women in the Workplace 2023.
Organização Mundial da Saúde. Gender and Mental Health.
ONU Mulheres. Women, Work and Health.

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